Viagem á Índia – Varanasi

Varanasi
Um capítulo à parte.

Ainda dentro da aeronave, o swami me preveniu que iríamos encontrar uma pessoa que nos conduziríamos na cidade, mas era para cumprimentá-lo de longe, pois um monge deve ser cumprimentado de longe. Nada de abraços e beijinhos, mas se faz o gesto com as duas mãos juntas, ajoelha-se e toca os pés do monge.

Quando terminamos o check-out, havia um rapaz de pele escura, sempre sorridente, de cabeça raspada, sandálias, nada de agasalhos e um rabinho que saia do meio da cabeça e na testa três riscos brancos. Este era nosso guia, o Ohm (chamar Ohm precisa ser alguém muito especial, pois este é som do universo). Para os yogues, é o mais importante som.

Ele era um Bhama Chari, pessoas que estão resolvendo o que seguir e estudando, moram em um Ashana, seguem um mestre e ordens. Sua vida é exclusivamente espiritual, conquista seu alimento e divide com todos do Ashana. É vegetariano. O Ohm era yogue e em alguns locais que passara, deu aulas de yoga.

Fomos direto para a universidade. Conhecemos o reitor e algumas pessoas importantes do local, e claro, dois templos. Como havia tempo, fomos ao museu da universidade que tinha muita coisa do Gandhi. Adorei.

Varanasi Índia - Valéria Foz

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Chegamos no Hotel, simples, bem diferente dos outros. Deixamos a van e pegamos um Tuc Tuc e nossa vida mudou na Índia. Andávamos pelas ruas tumultuadas e cheias de gente para todos os lados, mas não sabíamos o estava programado, até que, ao entardecer, estávamos na frente do rio Ganges, onde teria a Oração do Fogo.

É uma loucura. Tem gente de toda a parte, onde você olha tem gente com oferendas e devoção, dentro do rio são centenas de barcos lotados de pessoas. É realmente uma experiência muito diferente. Ficamos impressionadas. Os indianos vestem sári. Cada um representa uma crença, os rostos pintados parecem coisa de uma civilização que parou no tempo. Surpreendente e agradável de participar.

Quando terminou fomos para o hotel e já havia programação para às 5 horas do dia seguinte. Mesmo com o frio, íamos ver o nascer do Sol no Ganges. As 5 horas em ponto nós estávamos na recepção, e eles chegaram de Tuc Tuc. Quase ninguém nas ruas, exceto uns que perambulam durante a madrugada. Quando o motorista do Tuc Tuc viu-nos, ele ligou o som no último volume com música indiana e acendeu as luzes que piscavam como uma boate. Eu ri muito com esta cena.

Chegamos ao Ganges e tínhamos um barco à nossa espera. Fazia muito frio, mas o Atma e o Ohm estavam com a mesma roupa, o bhama de branco e o swami de laranja, e sem nenhum casaco. Eles dizem que o frio está na mente. Esse passeio vale pela experiência: no rio gelado e sujo, as pessoas chegam em caravanas. Todo indiano tem como meta ir, pelo menos, uma vez na vida banhar-se no Ganges. Lá eles tiram as roupas e entram no rio, defecam, escovam os dentes, se lavam, se purificam, ao mesmo tempo tem barbeiro que faz barbas, cabeleireiros que cortam os cabelos e oferendas. Tem tudo e fazem de tudo. Navegamos lentamente por 2 horas, aonde vimos coisas que não sei nem descrever. Depois voltamos ao hotel para tomar café da manhã.

Varanasi é a cidade mais velha da Índia. Formada por pequenos corredores onde as vacas e búfalos dividem o caminho com pessoas oriundas de toda à parte.  Muitos vêm para a cidade para morrer, pois dizem que quem falece em Varanasi vai direto para o Nirvana. Tem muita gente, nos corredores da cidade de cócoras, dia e noite, um ao lado do outro. É impressionante.

De repente ouve-se um coro de gente que estão carregando um cadáver embrulhado em panos vermelhas com muito dourado para ser cremado ali e atingir o Nirvana. O local de cremação é impressionante, inacreditável que isso pudesse existir um dia, que dirá atualmente.

Há pilhas de madeiras para serem vendidas e queimadas na cremação. O produto é caríssimo.  Pais e filhos ficam à espera de uma venda e a família acaba morando ali mesmo. A cremação é feita a qualquer momento e nunca para. As famílias entram e as vacas também, na tentativa de comer algo que sobra. É o filho mais velho quem acende a fogueira. A mulher sai para chorar por alguns dias e depois volta na posição de viúva. Os outros choram durante o evento e depois levam a vida normal.

Fomos convidadas a ir à casa do Ohm. Chegamos lá, os monges estavam em lição. O mestre estava na frente e não interrompeu sua fala com nossa chegada e os outros, com seus livros sagrados, acompanharam e anotaram as lições em silêncio. Essa experiência foi muito importante, para nós. Os ashanas não têm móveis, tudo acontece no chão e o trabalho é sempre feito pelos mais novos, que cozinham e limpam.

Visitamos o templo de Chiva, onde deu aflição. Tinha muita gente, macacos, oferendas misturados pela água. Foi difícil de encara, mas enfim, fechemos os olhos e fomos em frente. Ainda visitamos mais um ashana, que estavam cantando mantras. Ficamos com eles por uma hora. Ao terminar, fizemos nossas doações e fomos convidados a jantar. Foi a comida mais gostosa que me lembro: passou dentro de um balde o arroz, o pão, em pequenos baldes. Um garoto de 16 anos, iniciante, servia com uma concha de cabo grade. Sentamos no chão e comemos com as mãos, Quando terminamos, os garotos lavaram o chão, fizeram uma fogueira pequena e ficaram de cócoras ao redor para se esquentar, antes de irem dormir. Quando saímos, a minha filha comentou que passava um rato atrás da gente o tempo todo. Fazer o que?

Andar nas ruas de Varanasi é uma arte. Você precisa desviar dos cocos de gente, de boi, de búfalos, dos buracos e da sujeira e ainda dividir espaço com os animais, que têm sempre a preferência. Os serviços são feitos na rua: lavanderia, barbeiro, cabeleireiro, costureiro, passadeira, etc.

Pelo chão, vê-se uma mancha parecida à tinta vermelha, mas é noz de areca embrulhado em folhas de bétele que é mastigado. Os restos são cuspidos formando uma mancha vermelha no chão. Este costume constitui uma tradição e hábito popular na Índia. É um estimulante mascado junto com uma pequena quantidade de cal, e o mascador é facilmente reconhecido pelo fluxo abundante de saliva vermelha, que mancha lábios e dentes, que consomem como digestivo, fazem uma trouxinha com muitas coisas dentro tudo muito apimentado, e finalizam com uma cereja. Experimentei e não gostei.

O masala também (chá com canela, cardamone, pimentas e gengibre) é consumido durante o dia pelas ruas onde se vêem pequenos fogões com uma pessoa sentada atrás e um caldeirão fervendo. É tomado em um potinho de barro fino que depois é jogado e quebrado ao chão. Esses potes são feitos por mulheres das vilas.

Foi em Varanasi que saímos para a compra de tecidos a contra gosto de nosso mestre. A orientação dele era: escolham e digam que não gostaram para ele poder negociar. Realmente ele lutava pelos melhores preços, a nosso favor. Essa experiência é muito interessante, pois o local que fomos, era turístico e pudemos ver como realmente as compras acontecem.

Ao entrar na loja sem vitrines e forrada de tecidos, tivemos que sentar no chão. O lojista tira os diversos tecidos e sáris para a gente ver, sem dar a possibilidade de interrompê-lo. São aflitivos e tiram muitos tecidos até conseguir convencer a levar alguns, mas é necessário negociar.

Fomos também comprar pashmina e o sistema de venda era quase igual, a diferença é que haviam duas alturas de piso, no alto ficava o vendedor que ia tirando diversas peças com preços e cores variados. Na loja de tecido de repente entraram cerca de 30 mulheres e homens, e percebemos que as compras são feitas em conjunto. Essas pessoas vêm em grupos para as compras e passam o dia negociando.

Fomos a muitos templos e se tiver oportunidade de ir a um Hare Krishna, vá, pois é uma festa muito bonita, alegre e empolgante. Ao final da tarde, homens oferecem Pujat, que é uma reza, quase um mantra, na qual cantam e falam e você repete. No final, você compra uma oferenda e joga no Ganges. Aceitei apenas uma vez e não mais e o swami ficou bravo, pois este ato é respeito e importante para eles, mas sujar o rio mais do que está sujo eu não concordei. Fiz o comentário contrário ao ato e a resposta foi: é um hábito milenar, não vamos mudar, por isso, temos que aceitar.

O rio aceita tudo: oferendas, vacas mortas, despachos e até os swamis que, quando morrem, são jogados no Ganges, amarrados em pedras para afundar. Dá pena.

O bhama chari Ohm marcou uma demonstração de yoga em nosso apartamento às 7h. Afastamos todos os móveis e ele fez os asanas mais difíceis. Fotografamos e ele pediu para que nunca mostrássemos a ninguém, pois certas posturas eram dele.

Estivemos também em um templo onde Ohm e Atma encontraram outros monges amigos, e foi juntando vários deles. Todos queriam nos mostrar tudo e nos proteger de tudo e de todos. Foi muito engraçado: nós duas no meio daquele monte de monges.

De volta ao aeroporto, fizemos algumas visitas: fomos na árvore que nasceu Chiva, e nos templos chineses, tailandês e outros jardins e templos.

Despedir do Ohm foi difícil, pois ele foi à criatura mais doce dos últimos tempos, para ele também foi difícil. Tiramos várias fotos e, como de costume, separei um dinheiro e comprei uma pashmina branca. Ele agradeceu e disse-me: dê a outra pessoa, pois já tenho o que preciso.

Como estamos adiantados, eles sugeriram que fossemos tomar um Chai no melhor local da cidade, onde o leite era de búfala. Mistura impecável. Não precisa falar nada, basta ver as fotos. Divertimo-nos e adoramos.

Fomos para o aeroporto e lá ficamos por horas conversando.  A conversa estava tão boa que quase perdemos o vôo. Swamis ficaram nos passando vários conhecimentos e nos perdemos no tempo. Voltamos para Delhi por mais uma noite para o Leela, que eu tanto gostei.
Valéria Foz
Leia a primeira parte desta viagem clicando aqui.

 

 

 

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